Ararutão, Achira, Biri. Raízes andinas. Ou chinesas.
Vida Saudável

Ararutão, Achira, Biri. Raízes andinas. Ou chinesas.


Da araruta tem-se receitas bem antigas sobre o uso do seu polvilho para fazer biscoitos finíssimos, que derretem na boca. De fato, o polvilho de araruta tem usos incríveis na cozinha, porque depois de cozido se mantém quase transparente. Por exemplo, quando você faz um pudim com esse polvilho especial, ele não fica branco, opaco. Isso é devido a cristalização do amido de milho, de trigo ou de batata, que interagem com a luz e deixam o doce opaco, o que já não acontece com o de araruta, que fica translúcido igual gelatina. 

Querido na culinária de antigamente, quase ninguém mais produz polvilho de araruta, que foi substituído pelo de mandioca, uma cultura mais produtiva. Aqui no Brasil, a araruta que se vende por aí é marca, e não produto, sendo na verdade fécula de mandioca, ou para os íntimos, polvilho doce. O que me faz pensar que araruta não é uma planta, mas um tipo de amido, ou fécula. Será?

Na realidade, existe sim uma planta chamada araruta, de raízes amareladas, compridas e fibrosas, e folhas parecidas com a do gengibre. O nome científico é a Maranta arundinacea, sendo essa a araruta verdadeira e nativa do Brasil, de onde se estrai o polvilho de araruta usado na confeitaria fina para fazer sequilhos. Isso lá antigamente, porque encontrar polvilho de araruta de qualidade não é tão fácil, só em contato com um produtor de confiança. Agora, é um produto alimentício não convencional, apesar da sua fama entre as quituteiras.

Araruta verdadeira, colhida aqui em casa.

Ararutas plantadas, meses depois.
Eu achava que o nome arrowroot tinha vindo do português araruta. Tente falar araruta com sotaque de norte-americano e o som fica de fato muito parecido com arrowroot. Mas, pelo que esse artigo da Embrapa sugere, foi o contrário, o termo surgiu do contato dos colonizadores com os índios amazônicos Aruak, descrevendo a Aruak root, que virou arrowroot, e depois, araruta no português. Se é mito ou verdade, não sei, porque o texto não cita a bibliografia de onde tirou essa informação, algo incomum para uma nota técnica.

Em inglês, se você procurar por arrowroot, vai descobrir que existem muitas plantas que podem ser traduzidas como araruta. Só por teimosia, vou citar o que o google me trouxe: Maranta arundinacea, Pueraria lobaba, Sagittaria sagitifolium, Dioscorea opposita, Canna edulis, Zamia pumila. O que todas elas tem em comum? Todas possuem raízes, rizomas, tubérculos que são fonte de amido de alto valor na gastronomia e com propriedades interessantes.

As outras espécies que o google me cita também dão amidos de qualidade, mais usados na culinária oriental. Um deles é derivado de uma planta parente da araruta, o biri ou caeté ou ararutão. Canna edulis é o nome científico, parente cultivado e comestível dessas canas ornamentais, comuns no paisagismo pelas flores coloridas e folhas avantajadas. No final das contas, descobri que é uma raiz comum desde o México até a Argentina, com ocorrência também no Brasil.

Canna edulis, variedade de folhas vermelhas.

Na região andina, ainda é comercializada e vendida sob o some de achira, especialmente no Peru e Bolívia. Por acaso, comprei as minhas raízes de achira ou biri nas mercearias chinesas da Liberdade, aqui em São Paulo. O tamanho das raízes é surpreendente, chegando até a largura de um pulso. Claro, as vendedoras se negam a dar qualquer explicação de como se prepara ou se consome, mas eu comprei alguns rizomas há alguns anos e já distribuí as mudas.

Nas mercearias da Liberdade

Veja o tamanhão.
A planta parece um pé de canna ornamental, com as raízes avermelhadas por fora, assim como as folhas, que quanto mais sol recebem, mais vermelhas ficam. Chegam a mais de 2 metros de altura em ambientes favoráveis, embora as minhas não passem disso. Formam verdadeiras touceiras. Dos relatos científicos, consta que das espécies de Canna comestíveis (há mais de 15), essa é a mais produtiva e a mais resistente. Levei alguma para um evento no Sesc, e em poucas semanas, mesmo plantada numa garrafa PET, já está enorme.

Brotando, em vaso improvisado de garrafa PET.

Um mês depois de plantada, estava enorme.
As raízes cozidas não são particularmente saborosas. São fibrosas e o sabor lembra a mandioca, de fato. Para extrair o amido, basta descascar as raízes dentro da água com algumas gostas de limão, para que não escureçam, e bater em água, coar e deixar decantar. Os grânulos de amido do ararutão, achira ou biri são tão grandes que você consegue ver a olho nu.

Ararutão começando a rebrotar.

Ararutão recém brotado na primavera.
Como você precisará de bastante raízes para extrair seu polvilho, isso pode ser um pouco desanimador. Mas as folhas podem ser usadas, também, na culinária, como invólucros naturais. Para fazer pamonhas, doces no vapor,  embrulhar carnes, pães, porque é maleável, grossa, e não rasga com tanta facilidade igual a folha da bananeira.  Eu queria saber como os chineses consomem, mas a dona da mercearia não facilita nem fornece informação nenhuma. Se mais alguém tiver sugestões, mande!

Eu a provei cozida também na oficina do Prof Lin, lá em Pardinho, apenas cozidas. A variedade dele possui as folhas verdes. O sabor é suave, uma cruza entre mandioca e pinhão, mas é bem fibrosa. Talvez cozida e batida possa ser usada como biomassa para pães e bolos integrais. Mas ainda não tentei. 

Ararutão, biri, Canna edulis, cozido. Entre batata e o pinhão.

Araruta cozida.
Na literatura, constam como comestíveis as raízes da Canna glauca (a de flores amarelas), Canna coccinea (de flores vermelhas), Canna indica e Canna denudata. Patrimônio nosso, só aproveitar!



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