Comentários acerca da Medida Provisória 172/2016
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Comentários acerca da Medida Provisória 172/2016


Ontem postamos a Medida Provisória 172/2016, que prevê o ingresso forçado em imóveis para eliminar criadouros do mosquito Aedes Aegypti.
Para fins de reflexão, segue abaixo comentários do professor e juiz federal Márcio André Lopes Cavalcante, sobre a MP.

Contextualizando o problema
Como se sabe, atualmente vivemos um grave problema de saúde pública decorrente da proliferação do Aedes aegyptie, mosquito transmissor do Vírus da Dengue, do Vírus Chikungunya e do Zika Vírus.
O Aedes aegyptie coloca seus ovos em lugares onde exista água parada. Muitas vezes esses reservatórios de água estão dentro das propriedades privadas, como é o caso de pneus velhos que ficam guardados em quintais, garrafas usadas de refrigerantes, pratinhos com água embaixo dos vasos de planta etc.
O combate ao mosquito depende, portanto, em grande medida, da conscientização da população no sentido de que deve eliminar de suas casas quaisquer reservatórios que sirvam para a reprodução do Aedes.
Os jornais noticiam que os governos federal, estadual e municipal têm enviado agentes de saúde e militares para visitar a população em suas casas, oportunidade em que verificam se em tais locais existem potenciais criadouros do mosquito. 
Na execução deste trabalho surge, no entanto, uma grande dificuldade: diversos imóveis visitados estão aparentemente abandonados, mas com suas portas fechadas, o que impede o ingresso das equipes de combate às endemias. Em outros casos, o imóvel está habitado, mas os moradores não estão em casa no momento da visita.
Diante desta situação, o que as autoridades podem fazer? Será possível que o servidor responsável pela visita ingresse no imóvel mesmo sem autorização do morador?


Casa como asilo inviolável e delito de violação de domicílio
O impasse existe porque a CF/88 afirma que:
Art. 5º (...)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

O Código Penal, por sua vez, tipifica o crime de invasão de domicílio:
Art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Logo, diante da ausência de pessoas no imóvel que pudessem autorizar a visita no interior da casa, as equipes de fiscalização viam-se forçadas a ir embora com receio de, ao entrarem compulsoriamente no local, serem acusadas da prática do delito do art. 150 do CP.
Visando a resolver essa situação, alguns Estados e Municípios (ex: SP) editaram leis permitindo o ingresso forçado dos agentes de endemias. Em outros locais, os Municípios decretaram situação de emergência e, por meio de decreto, autorizaram o direito de entrar nos imóveis mesmo sem o consentimento do morador. Invocavam, para tanto, as disposições da Lei Federal n.º 6.437/77 Tais medidas, contudo, ainda geravam questionamentos quanto à sua constitucionalidade e receio dos agentes públicos.


MP 712/2016
Com o objetivo de solucionar a questão, a Presidente da República editou no dia de hoje (01/02/2016) a MP 712/2016, que autoriza expressamente o ingresso forçado dos agentes públicos nos imóveis a fim de executarem medidas de combate ao mosquito Aedes aegyptie. Veja o que preconiza a MP:

Art. 1º  Na situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do Vírus da Dengue, do Vírus Chikungunya e do Zika Vírus, a autoridade máxima do Sistema Único de Saúde de âmbito federal, estadual, distrital e municipal fica autorizada a determinar e executar as medidas necessárias ao controle das doenças causadas pelos referidos vírus, nos termos da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e demais normas aplicáveis.

§ 1º Entre as medidas que podem ser determinadas e executadas para a contenção das doenças causadas pelos vírus de que trata o art. 1º, destacam-se:
I - a realização de visitas a imóveis públicos e particulares para eliminação do mosquito e de seus criadouros em área identificada como potencial possuidora de focos transmissores;
II - a realização de campanhas educativas e de orientação à população; e
III - o ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono ou de ausência de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças.


Hipóteses em que é permitido o ingresso forçado
A MP previu duas hipóteses em que será permitido o ingresso forçado do agente público no imóvel:


1) quando o imóvel estiver em SITUAÇÃO DE ABANDONO ("imóvel abandonado").
Imóvel em situação de abandono, para os fins da MP, é aquele no qual está flagrantemente demonstrada a ausência prolongada de sua utilização. Ocorre quando está muito claro que o local há muito tempo não é habitado por ninguém. Isso pode ser constatado pelas características físicas do imóvel (exs: janelas quebradas, telhas faltando), por sinais de inexistência de conservação (ex: mato que cresceu dentro da propriedade), pelo relato de moradores da área ou por outros indícios que evidenciem a sua não utilização.


2) quando não houver pessoa no imóvel que possa permitir o acesso do agente público ("AUSÊNCIA DO MORADOR").
Para que fique caracterizada esta hipótese, a MP exige que o agente público tenha visitado duas vezes o imóvel, em dias e períodos alternados, dentro do intervalo de dez dias, e mesmo assim não encontre ninguém no local que possa autorizar sua entrada.
Vale ressaltar que quando o agente público realizar a tentativa de encontrar o morador, deverá deixar no local uma notificação a fim de que ele saiba que uma equipe de combate ao mosquito esteve lá e que irá retornar no outro dia.


MP não prevê ingresso forçado caso o morador negue expressamente a autorização
Importante destacar que a MP 712/2016 não previu a possibilidade de os agentes públicos ingressarem no imóvel caso o morador esteja ali presente e negue autorização para a entrada.
Como vimos acima, o art. 1º, § 1º, III somente permite o ingresso forçado caso o imóvel: 
a) esteja abandonado; ou
b) a propriedade esteja sendo habitada, mas o morador não tenha sido encontrado. 

Se, por outro lado, a equipe chega ao local e encontra o morador na casa, explica a situação e o motivo da visita, mas ele não autoriza a entrada, o agente público não poderá, com fundamento na MP 712/2016, ingressar compulsoriamente no imóvel. A MP não trouxe essa possibilidade. Neste caso, parece-me que o caminho mais seguro é que o agente público faça um relatório do ocorrido e que a Procuradoria do respectivo ente (ex: PGE, PGM) consiga um mandado judicial para o ingresso forçado.


Imóvel público ou privado
Vale ressaltar que o ingresso forçado previsto na MP 712/2016 pode ocorrer não apenas nos casos de imóveis privados, mas também em imóveis públicos.


Relatório circunstanciado
Nos casos em que houver a necessidade de ingresso forçado, o agente público competente deverá emitir um relatório circunstanciado no local explicando o motivo que autorizou a entrada (situação de abando ou ausência do morador) e demais circunstâncias envolvidas (art. 2º).
Neste relatório deverão constar as medidas sanitárias que foram adotadas no local para o controle do vetor e para a eliminação dos criadouros do mosquito (art. 2º, § 2º). Em outras palavras, o agente público deverá descrever o que foi feito no imóvel para combater o mosquito. Ex: limpeza em vasos de plantas que havia no local, cobertura de pneus velhos que estavam acumulando água etc.


Auxílio policial
Sempre que se mostrar necessário, o agente público competente poderá requerer o auxílio à autoridade policial (art. 2º, § 1º).


Integridade do imóvel deve ser preservada
O ingresso forçado deverá ser realizado buscando-se a preservação da integridade do imóvel (art. 3º).


Ausência de crime de violação de domicílio
Caso o agente público ingresse na casa do morador, mesmo sem seu consentimento, respeitando os termos da MP 712/2016, esta sua conduta será lícita e ele não responderá pelo crime de violação de domicílio (art. 150 do CP). Para a doutrina tradicional, o fundamento legal que exclui o crime seria o estrito cumprimento de dever legal (art. 23 do CP) e para a doutrina mais moderna, seria a teoria da imputação objetiva (o agente não criou risco proibido).


Autorização para ingresso forçado pode ser utilizada para combate de outras doenças
A MP 712/2016 trata especificamente sobre mosquito transmissor do Vírus da Dengue, do Vírus Chikungunya e do Zika Vírus. No entanto, ela prevê que a autorização para que os agentes públicos ingressem nos imóveis sem consentimento do morador (art. 1º, § 1º, III) poderá ser utilizada também para o combate de outras enfermidades. Veja:

Art. 4º A medida prevista no inciso III do § 1º do art. 1º aplica-se sempre que se verificar a existência de outras doenças, com potencial de proliferação ou de disseminação ou agravos que representem grave risco ou ameaça à saúde pública, condicionada à Declaração de Emergência em Saúde Pública.


Constitucionalidade do inciso III do § 1º do art. 1º da MP 712/2016
Uma interessante discussão que pode ser travada diz respeito à constitucionalidade ou não do ingresso forçado previsto no inciso III do § 1º do art. 1º da MP 712/2016. Isso porque a CF/88 prevê, em seu art. 5º, XI, as hipóteses em que poderá haver a violação do domicílio e não elenca, dentre elas, o ingresso forçado para fins de combate a epidemias ou pandemias.


Confira o texto constitucional:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;


Assim, pela redação literal do dispositivo, só se pode entrar na casa de alguém, sem o consentimento do morador, nas seguintes hipóteses:
Durante o DIA  
• Em caso de flagrante delito;
• Em caso de desastre;
• Para prestar socorro;
• Para cumprir determinação judicial (ex: busca e apreensão; cumprimento de prisão preventiva).

Durante a NOITE
• Em caso de flagrante delito;
• Em caso de desastre;
• Para prestar socorro.


Diante disso, surge a seguinte dúvida: a previsão do inciso III do § 1º do art. 1º da MP 712/2016 é inconstitucional por violar o art. 5º, XI, da CF/88?
Penso que não. De fato, a entrada do agente público para fiscalizar possíveis locais dentro da residência da pessoa onde o mosquito Aedes aegyptie possa vir a colocar ovos não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no inciso XI, não podendo ser classificada como situação de "desastre" ou para "prestar socorro", expressões muito intensas e que não se confundem com mero exercício de poder de polícia preventivo. 
Desse modo, é certo que o inciso III do § 1º do art. 1º da MP 712/2016 não encontra autorização no art. 5º, XI, da CF/88.
Apesar disso, entendo que a previsão do ingresso forçado, na forma como delineada pela MP 712/2016, não se revela inconstitucional, devendo ser realizado no caso uma ponderação dos interesses envolvidos.
A inviolabilidade do domicílio consiste em direito fundamental inerente à pessoa humana. Ocorre que não se trata de um direito absoluto. Assim, pode ser restringido, desde que observado o princípio da proporcionalidade. 
No caso, tem-se o conflito aparente entre dois valores protegidos pelo Direito: de um lado, a liberdade individual dos moradores; e de outro, a vida e a saúde desses mesmos indivíduos e de toda a coletividade, que devem ser protegidas pelo Estado. 
Diante disso, deve haver uma ponderação dos interesses envolvidos: ou restringe-se a liberdade individual, ou então haverá um grave e real risco à saúde de toda a sociedade (incluindo os proprietários e/ou moradores do imóvel). Não há dúvidas de que, no presente contexto, deverá preponderar a proteção à vida e à saúde, havendo uma restrição à liberdade individual.
Ressalte-se que a restrição imposta pela MP 712/2016 à inviolabilidade de domicílio é pontual, específica, temporária e mínima. 
A entrada forçada só é permitida em duas situações excepcionais (imóvel abandonado ou morador não encontrado). Além disso, o ingresso compulsório tem apenas uma finalidade: encontrar possíveis focos de criadouro do mosquito, eliminando-os. Ressalte-se, ainda, que não haverá qualquer prejuízo ao morador, já que os agentes públicos não irão adentrar na casa para produzir provas contra ele (não se trata de investigação criminal) nem para retirar de lá seus bens (não é uma medida de busca e apreensão ou de penhora). Logo, não há violação ao devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). 
Ainda que sejam encontrados possíveis focos de criação do mosquito, o proprietário/morador não receberá nenhum tipo de punição por isso, havendo apenas a limpeza do local e eliminação desses criadouros, com a colocação de tampas, lonas etc., de sorte que não haverá ofensa ao direito de propriedade.
Ressalte-se que se fosse necessário buscar autorização judicial todas as vezes em que o imóvel estiver fechado o trabalho de fiscalização restaria inviabilizado, além de sobrecarregar o Poder Judiciário. Segundo dados oficiais, desde que a campanha de combate ao mosquito se iniciou, com os primeiros casos de Zika Vírus, as equipes de saúde já encontraram cerca 2,7 milhões de domicílios fechados no momento das visitas. Seria inimaginável ter que exigir uma ação judicial para cada uma dessas casas.
Dessa forma, a medida prevista na MP 712/2016 é adequada, necessária e proporcional, sendo a solução que melhor atende a proteção da saúde pública, que é um dever constitucional do Estado (art. 196), havendo uma mínima intervenção na inviolabilidade do domicílio.

Texto extraído do site Dizer o Direito, disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2016/02/mp-7122016-preve-o-ingresso-forcado-em.html



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