EXPOSIÇÃO MÚLTIPLA AOS AGROTÓXICOS E EFEITOS À SAÚDE
Exposição múltipla a agrotóxicos e efeitos à saúde
Estudo transversal em amostra de 102 trabalhadores rurais, Nova Friburgo, RJ-Alberto José de Araújo
A extensiva utilização de pesticidas representa um grave problema de saúde pública nos países em desenvolvimento, especialmente aqueles com economias baseadas no agronegócio, caso do Brasil. Somente nos EUA, segundo a Agência de Proteção Ambiental (EPA), existem mais de 18 mil produtos licenciados para uso, e a cada ano cerca de 1 bilhão de litros de pesticidas são aplicados na produção agrícola, residências, escolas, parques e florestas.
No Brasil, a utilização em larga escala deu-se a partir da década de 70, quando os pesticidas foram incluídos, compulsoriamente, junto com adubos e fertilizantes químicos, nos financiamentos agrícolas. Atualmente, o termo "agrotóxico" é o mais recomendado para designar os pesticidas, pois atesta a toxicidade destas substâncias químicas, especialmente quando manipuladas sem adequados equipamentos de proteção.
As estimativas da incidência de problemas de saúde humana relacionados com a utilização de pesticidas é muito variável. Os danos para o organismo humano começaram a ser noticiados a partir dos anos sessenta, com relatos de casos de intoxicação por organoclorados entre trabalhadores rurais. Esta classe passou a ser proibida pela legislação de vários países. Atualmente, estima-se que entre 500 mil e 2,9 milhões de pessoas no mundo são envenenadas anualmente, com uma taxa de fatalidade de 1%, aproximadamente. A maioria dos casos de doenças relacionadas a pesticidas envolve o uso de organoclorados e os organofosforados que possuem atividade neurotóxica.
No Brasil, alguns casos adquiriram grande repercussão, como aqueles envolvendo unidades industriais da Shell e da Rhodia, localizadas no Estado de São Paulo ou ainda o da "Cidade dos Meninos", Duque de Caxias, RJ. Em todos estes casos, severa contaminação humana e ambiental foi observada.
Algumas classes de pesticidas têm sofrido restrições em relação a seus usos e comercialização tanto nacional quanto internacionalmente. A Convenção de Estocolmo, por exemplo, assinada por cerca de 120 países, estabeleceu o banimento de doze substâncias cloradas, a maioria utilizada como pesticidas. No Brasil, com a entrada em vigor da Lei 7802/89 – Lei dos Agrotóxicos – os produtos contendo substâncias carcinogênicas, teratogênicas ou mutagênicas passaram a ter seus registros proibidos.
Os organofosforados (OF), a partir da década de 70, passaram a ser os pesticidas mais utilizados no mundo. Desde então, tem aumentado, drasticamente, o relato de casos de intoxicação por OF, por efeitos tóxicos pela exposição aguda ou crônica, mesmo a baixas doses. Os registros de intoxicação humana e de contaminação ambiental estão bem documentados na literatura especializada.
Para atender a crescente demanda de frutas, grãos e hortaliças, os agricultores têm sido estimulados a utilizar uma grande variedade de produtos para aumentar a produtividade e reduzir as perdas das safras. Isto tem levado ao uso indiscriminado de agrotóxicos, colocando em risco a saúde dos produtores, do meio ambiente e dos consumidores.
Em comunidades rurais com pequenas propriedades, como a do Córrego São Lourenço, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, a pressão pela produção e colheita semanal regular de hortaliças para um mercado atacadista da capital, cada vez mais exigente com a aparência dos produtos, contribui para o uso abusivo de inseticidas, fungicidas, herbicidas e acaricidas. O escasso conhecimento dos riscos potenciais destes produtos e a não utilização de equipamentos de proteção durante a aplicação aumenta os riscos de contaminação dos agricultores e de suas famílias, quase todos envolvidos no processo de trabalho agrícola.
Esta situação não é única no Brasil, onde centenas de milhares de trabalhadores estão envolvidos em atividades agrícolas. Entretanto, os riscos e a magnitude dos danos causados pela exposição aguda ou cumulativa a estes pesticidas neste grupo de trabalhadores ainda não são bem conhecidos. Evidências científicas mostram que a exposição aos pesticidas pode levar a danos à saúde, muitas vezes irreversíveis, como o caso da neuropatia tardia por sobreexposição a organofosforados. As conseqüências neurotóxicas da exposição aguda por altas concentrações de pesticidas também estão bem estabelecidas, seja os efeitos muscarínicos, nicotínicos e no sistema nervoso central e periférico. A exposição também está associada a uma larga faixa de sintomas, bem como déficits significativos da performance neurocomportamental e anormalidades na função do sistema nervoso. Kamel & Hoppi apresentam uma revisão sobre os efeitos neurotóxicos da exposição crônica a baixos níveis de exposição em adultos com idade acima de 18 anos11. Estudo realizado nos EUA estimou o coeficiente de morbidade por exposição ocupacional a pesticidas em dezoito casos de intoxicação para cada 100 mil trabalhadores.
Este artigo tem como foco central contribuir para o conhecimento dos riscos da aplicação múltipla e intermitente de um grande número de pesticidas à saúde de jovens agricultores, buscando conhecer o desenvolvimento de quadros de intoxicação quando são manipuladas várias substâncias químicas tóxicas conjuntamente ou em curtos intervalos de tempo. Assim, o nosso principal objetivo foi realizar o levantamento das condições de saúde, higiene e segurança no processo de trabalho envolvendo aplicação múltipla de pesticidas em uma comunidade agrícola, bem como avaliar os efeitos à saúde e quadros de intoxicação nos agricultores e familiares expostos a pesticidas (principalmente os organofosforados), fungicidas e herbicidas, entre outros grupos químicos.
Impactos dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores do campo
De acordo com dados de 2007, do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), 28% dos mais de 8 mil casos de contaminação estão relacionados a circunstâncias profissionais. São Paulo e Rio Grande do Sul estão nas primeiras posições. Os índices são elevados também na Bahia e em Santa Catarina. A Sinitox também apontou que foram registrados, no país, mais de 19 mil casos de intoxicação por agrotóxico.
O médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati, enumera as doenças causadas pelos agrotóxicos nos trabalhadores.
“São agravos, na saúde, agudos e crônicos. Intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia (que causa câncer), distúrbios endócrinos (na tiroide, suprarrenal, e alguns mimetizam diabetes), distúrbios neurológicos, distúrbios respiratórias (vários são irritantes pulmonares)”
A juventude está entre os principais afetados. O produto Adicarbe, mais conhecido no campo como “chumbinho”, é desviado para os centros urbanos para ser usado como raticida. O produto glifosato, aplicado no cultivo de soja transgênica, apresenta Classe 1 de contaminação, o que significa um índice elevado de intoxicação, sendo que a cultura da soja, onde o glifosato é aplicado, é responsável por 51% do uso de agrotóxicos no país.
Há, no Brasil, cerca de 451 produtos ativos e 1,4 mil produtos no mercado, cada um com nocividade específica. Os especialista admitem que é difícil desvendar o nexo entre a doença e o produto que a causou. Um dos problemas é a chamada subnotificação das ocorrências, que acontece porque os empresários não reconhecem o vínculo entre a doença do trabalhador e a sua causa. Por isso, os dados de intoxicação são ainda maiores.
No Mato Grosso, o médico Pignati realiza estudos comparando dados epidemiológicos das regiões do estado com diferentes níveis de utilização de agrotóxicos. Nas três regiões do agronegócio da soja, milho e algodão, há uma incidência três vezes maior de intoxicação aguda.
“Analisando por regiões o sistema de notificação de intoxicação aguda da secretaria municipal, estadual e do Ministério da Saúde, percebemos que onde a produção é maior, há mais casos de intoxicação aguda, como diarreia, vômitos, desmaios, mortes, distúrbios cardíacos e pulmonares, além de doenças subcrônicas que aparecem um mês ou dois meses depois da exposição, de tipo neurológico e psiquiátrico, como a depressão. Há agrotóxicos que causam irritação ocular e auditiva. Outros dão lesão neurológica, com hemiplegia, neurite da coluna neurológica cervical”.
De acordo com Gilberto Salviano da Silva, assessor da Secretaria de Saúde do Trabalhador da Central Única dos Trabalhadores (CUT), há uma política de saúde do trabalhador mais consistente entre os trabalhadores urbanos. Mas os casos de acidentes e doenças na zona rural ainda têm menor notificação.
“O que notamos é que todas as normas em saúde do trabalhador têm sido focadas no trabalhador da cidade, então existem normas mais presentes e avançadas no setor da metalurgia, no setor financeiro, químico, da construção civil, e nem por isso, com estas normas, se conseguiu diminuir o número de acidentes de trabalho no Brasil; temos que entender que sempre foram subnotificados. Temos o problema dos empresários que negam as doenças e não comunicam.”
Salviano entende que o índice de notificações é insuficiente. Desde abril de 2007, começou a aumentar devido ao novo modelo de concessão de benefícios do INSS, denominado como Nexo Técnico Epidemiológico da Previdência Social (Netep).
Dessa forma, tem aumentado o número de registros de acidentes e doenças no Brasil. De acordo com o assessor da CUT, em 2006 foram registrados 510 mil acidentes. Em 2008, as estatísticas apontavam para quase 750 mil acidentes de trabalho.
“Essa subnotificação de doenças dificulta a visibilidade sobre o que acontece no local de trabalho. E o setor rural, isso é muito evidente, a ausência das informações, doenças e mortes por consequência do agrotóxico dificulta as ações de políticas públicas; esta subnotificação, no campo, é parecida com a da cidade. Os empresários negam que os trabalhadores fiquem doentes no campo. O serviço médico não está preparado para o diagnóstico; às vezes, os trabalhadores se contaminam ou morrem, e aparecem outras doenças. Então, as dificuldades, no campo, têm sido maiores”
Para a prevenção dos acidentes, Salviano compara as ações realizadas contra o uso do material amianto na construção civil. Hoje o amianto está proibido em uma série de estados do Brasil, por meio da articulação internacional com entidades contrárias ao uso deste material.
“Começar a chamar a atenção civil e criminal daqueles que fabricam produtos que provocam impacto no meio-ambiente, morte e doença dos trabalhadores, caminho possível para fazer valer a justiça social”
O uso de agrotóxicos provoca efeitos graves na saúde humana, como o desequilíbrio do sistema endócrino, infertilidade masculina, más formações e abortos, efeitos nas crianças e doenças nos sistema nervoso.
Nas terras da Chapada do Apodi e do Tabuleiro das Russas, no baixo vale do Jaguaribe, no Ceará, as pessoas vivem sob o regime de trabalho de empresas produtoras de abacaxi. Os cultivos são ao redor dos locais de moradia. Se uma área recebe oito pulverizações por ano, mais de 4,5 milhões de litros de caldas tóxicas foram lançadas sobre as comunidades nos últimos dez anos.
Todas as noites, 82 mil litros de agrotóxicos são jogados sobre 1,3 mil hectares de cultivo de abacaxi. Do total de trabalhadores pesquisados na região, 53% já têm marcas da exposição diária a agrotóxicos.
Os impactos para a saúde dos trabalhadores do campo, pelo uso dos agrotóxicos, evidenciam a necessidade de um debate sobre o tema no amplo conjunto da sociedade. O integrante do setor de Saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), André Rocha, propõe um modelo de produção baseado na saúde ambiental.
“Saúde ambiental é uma área da saúde [que analisa] as interferências do homem no meio ambiente... como o meio influi na saúde humana, [como se dá] essa relação entre saúde e meio ambiente. Nós, do MST, nos dividimos em dois eixos: produção saudável e do saneamento ecológico/habitação saudável. Nossos locais de vivência e centros de formação. Construir espaços saudáveis, produção saudável. Cada bioma é uma realidade específica, um trabalho específico, mas o da produção saudável, produzir a soberania alimentar e consequentemente ter saúde questão contra os transgênicos, agrotóxicos”.
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