Por motivos de saúde? Por respeito aos animais? Porque pega bem?
Por que a vida sem carne atrai cada vez mais pessoas?
No Brasil, 28% das pessoas "têm procurado comer menos carne", segundo uma pesquisa sobre hábitos alimentares feita pelo grupo Ipsos. É o segundo maior índice mundial, próximo ao canadense e maior que o britânico. Fica atrás apenas do registrado nos Estados Unidos, onde os hambúrgueres são uma das maiores fontes de doenças cardiovasculares e sentimento de culpa.
No mundo todo, a quantidade de vegetarianos famosos só faz crescer.
Entre os estrangeiros, estão estrelas do cinema como Natalie Portman e Brad Pitt, músicos como Paul McCartney, Bob Dylan, Michael Jackson ou Moby e empresários como Steve Jobs. Por aqui, além de Fernanda Lima, a onda vegetariana já arrebanhou a animadora Xuxa, o modelo Paulo Zulu e o ex-piloto de Fórmula 1 Pedro Paulo Diniz (leia o quadro sobre os vegetarianos famosos).
Com defensores como esses, o vegetarianismo virou definitivamente um elemento da cultura pop - sim, comida também é cultura.
Para um em cada quatro adolescentes americanos, ser vegetariano é uma atitude "positiva". Por lá, 2,5% da população se considera vegetariana. Não há pesquisas confiáveis no Brasil. Mas o crescimento também é visível. O site da Sociedade Vegetariana Brasileira tem 3 mil acessos por dia. O Congresso Vegetariano Brasileiro e Latino-Americano, marcado para agosto, aguarda 10 mil participantes.
No Orkut/Facebook, site de relacionamentos mais freqüentado no Brasil, fazem sucesso comunidades como Eu Queria Ser Vegetariano (1.800 membros) ou Sou quase Vegetariano (406). A palavra de ordem nelas é comer menos carne ou, se possível, não comer carne alguma.
Elas tratam os carnívoros como fumantes tentando abandonar o cigarro. Em São Paulo, as baladas dos straight edge - freqüentadas por punks contra drogas, álcool e violência - são conhecidas como Verduradas. Nessas baladas, as guitarras gemem enquanto os convidados consomem chicória, couve-flor e suco de clorofila.
A cultura contemporânea está repleta de referências vegetarianas. Até as animações infantis estão cheias de vegetarianos.
Em Madagascar, um leão supera seus instintos para não almoçar seu amigo - uma zebra. O Espanta-Tubarões e Procurando Nemo mostram tubarões vegetarianos.
Lisa Simpson, a irmã inteligente de Bart Simpson, do desenho animado Os Simpsons, se recusa a comer animais mortos. Phoebe, a loira do seriado Friends, também.
Nos Estados Unidos, crianças e adolescentes aderem ao ä vegetarianismo em ritmo duas vezes mais rápido que os adultos. "Quem mais nos procura são os jovens", diz Marly Winckler, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira.
"A nova geração possui um sentimento difuso de que comer carne é ruim e de que ser vegetariano é, de alguma forma, ser superior", afirma a antropóloga Gisela Black Taschner, especialista em tendências de consumo da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
O mercado já percebeu isso. A venda de produtos saudáveis cresce 15% ao ano. É o suficiente para atrair até indústrias de derivados de carne, como a Sadia e a Perdigão. "Vegetarianos radicais são um grupo muito pequeno.
Mas há um crescimento acentuado do que chamo hábito vegetariano: evitar o excesso de carne, principalmente vermelha", afirma Fernanda Oruê, gerente de marketing da Sadia. Para esse público, os grandes frigoríficos fazem hambúrgueres, quibes, lasanhas e nuggets de soja. Empresas menores produzem leite condensado de soja, creme de leite de soja - útil para estrogonofes à base de carne de soja -, ovos de Páscoa com leite de soja e até mortadela de soja. No rótulo de todos os produtos vêm estampados slogans como "escolha saudável".
Guru das modas gastronômicas, o crítico Jeffrey Steingarten, da revista Vogue americana, proclamou que a mais saborosa e eficiente dieta para emagrecer é o cardápio vegetariano do norte da Índia. O francês Alain Passard, chef com cotação máxima no guia francês Michelin, montou um restaurante quase vegetariano - em que peixes e aves só aparecem se o freguês pedir muito. Redutos do carnivorismo, como o restaurante dos Chicago Bears, criaram cardápios vegetarianos. E Charlie Trotter, o mais conceituado chef americano, chegou a criar um cardápio de comida vegetariana crua, para adeptos da corrente que veta o aquecimento de alimentos acima de 42 graus. A dieta de Atkins, que fez sucesso na virada do século pregando o alto consumo de proteínas e gorduras, perdeu 80% de seus adeptos.
Durante séculos vista como o item mais saudável, suculento e valorizado da dieta, a carne parece ter passado do ponto. Por dois motivos. O primeiro - justificativa mais usada por quem se torna vegetariano - é a preocupação com a saúde. Os defensores do vegetarianismo afirmam que não comer carne reduz a mortalidade e a incidência de centenas de doenças (leia o quadro à página 91). O segundo é a preocupação ética cada vez mais freqüente com a matança de animais. Cada uma dessas duas justificativas merece uma análise detida. Comecemos com a primeira: a saúde.
O estatístico Paul Appleby, da Universidade de Oxford, analisou todos os trabalhos disponíveis que comparavam a mortalidade de vegetarianos à dos onívoros. Verificou que os dois maiores estudos já feitos não mostraram diferença significativa entre os dois grupos. Um terceiro estudo, feito com os adventistas americanos, vegetarianos em sua maioria, produziu uma conclusão mais animadora. Vegetariano, Appleby sugeriu que a pequena vantagem vegetariana também poderia ser atribuída a fatores não-dietéticos, como não fumar, praticar mais atividade física ou pertencer a classes sociais mais elevadas. Mesmo assim, de acordo com ele, descontados os fatores externos, a dieta vegetariana "parece conferir um ganho de um e meio a dois anos de vida".
Os críticos de Appleby dizem que esse ganho em tempo de vida também poderia ser atribuído à religiosidade, comum entre vegetarianos. Em outras pesquisas, a religião já mostrou ter efeito positivo sobre a saúde. Citam como exemplo os mórmons, que comem carne e também têm índices de mortalidade por doença inferiores aos do restante da população. Mas não está excluída a hipótese de que parar de comer carne aumente o tempo de vida. "Muitas pessoas defendem essa teoria de forma quase religiosa", diz o oncologista Drauzio Varella. "Mas ainda não há evidência científica para apoiar essa crença."
Um número também repetido com freqüência afirma que vegetarianos têm 40% menos risco de sofrer de câncer. Mas, segundo alguns especialistas, esse dado precisa ser visto com uma pitada de cautela. "Vegetarianos podem seguir vários tipos de dieta. Onívoros também. E há uma centena de tipos de câncer", diz o cirurgião oncologista Benedito Mauro Rossi, do Instituto do Câncer de São Paulo. "Sabe-se, porém, que consumir 160 gramas de carne por dia aumenta o risco de câncer de intestino em cerca de 30%." Os 160 gramas correspondem a um bife alto ou a dois hambúrgueres. Carnes processadas - como os embutidos - parecem oferecer risco ainda maior, por causa das substâncias usadas no preparo.
Mas fugir dos riscos da carne pode implicar outros perigos. Em teoria, consumir muitos e variados vegetais garante todos os nutrientes necessários. Na prática, nem todos seguem a dieta com capricho. Um dos riscos é a anemia, causada pela falta do ferro presente na carne.
Estudos com grupos vegetarianos mostram que esse problema ainda é comum.
Dois truques centenários podem ajudar a driblá-lo. Um é cozinhar em
panelas de ferro.
O outro é beber água em recipientes como os copos usados pelos indianos, com
exterior de cobre e interior de ferro. O mineral liberado ajuda a fornecer parte do que faltar na dieta.
Para quem come somente vegetais, outro risco comum é a falta de proteínas ou de vitamina B12. Isso pode prejudicar crianças em crescimento, adolescentes e idosos. Mas também é um problema contornável.
"Quem come três cereais e uma leguminosa por refeição garante toda a proteína necessária", afirma a nutricionista Késia Quintaes. Por fim, pode faltar cálcio, principalmente para vegetarianos que não consomem laticínios. Nesse caso, é possível recorrer a suplementos.
Se o vegetarianismo radical ainda é um tema controverso e sujeito a riscos, ninguém duvida de que comer menos picanha é um conselho sensato. Nem que seja apenas para perder peso.
Para emagrecer, a dieta vegetariana tem os ä mesmos benefícios das outras, afirma a nutricionista Susan Berkow, da Universidade George Mason, na Virgínia. "Emagrecer geralmente resulta em redução da pressão arterial e em menor risco cardíaco", diz ela.Em dezembro, ela publicou um artigo revisando 87 estudos sobre o efeito de dietas vegetarianas. Concluiu que elas têm duas vantagens. Primeiro, os pacientes costumam segui-las por mais tempo. Depois, obtêm uma perda de peso maior que a média das outras dietas. Como resultado, os vegetarianos pesam entre 3% e 20% menos que os comedores de carne.
Muitos adotam a filosofia "semivegetariana". Tentam comer o mínimo de carne possível. "Para eles, carne é apenas um ingrediente. Que não tem nenhum atrativo especial e não é fundamental", diz Reinier Evens, diretor do site Trendwatching. com, especializado em identificar tendências.
Uma pesquisa americana mostrou que 60% dos que se diziam vegetarianos tinham comido, nas 24 horas anteriores, algum naco de bife, frango ou peixe. "Estou há seis anos sem carne", diz o cantor Evandro Mesquita, líder da Blitz, de 54 anos. Mas ele admite comer peixe eventualmente, e nem sempre resiste às tentações da carne. "Na última recaída, Tony Bellotto, dos Titãs, não sabia que eu era vegê e me ofereceu um churrasco. Meti o dente", diz ele. Esse grupo também pode ter problemas de digestão. A modelo paulista Daniela Vidotti, de 27 anos, diz que, também num churrasco, beliscou uma lingüiça. "Gostei do sabor, mas não me fez bem. Vomitei a noite inteira", afirma.
Algumas dietas de orientação vegetariana são difíceis de administrar. Kyra Gracie, de 20 anos, única mulher a lutar profissionalmente no clã carioca de artes marciais Gracie (ela foi campeã mundial de jiu-jítsu aos 18 anos), segue uma complicada receita familiar criada há três gerações. Além de proibir carne vermelha, ela divide os alimentos em grupos, que podem ou não ser combinados. A dieta é tão complexa que, quando vai sair com amigos, Kyra come antes em casa. Na casa da psicóloga paulista Esther Lançarini Sheid da Costa, de 53 anos, a dificuldade é de outra natureza. Só ela come carne (pouca). O marido é ovolactovegetariano (não come carne, mas come ovos e leite), o filho não come carne vermelha e a filha não come carne de nenhuma espécie.
Há também correntes como o crudivorismo, que defende o consumo de vegetais crus. Os crudivoristas afirmam que, no cozimento, os vegetais perdem boa parte de seus nutrientes. "Não obrigo as pessoas a seguir meus conselhos, mas recomendo que pelo menos 70% dos alimentos que ingerem sejam crus", diz o terapeuta Fernando Travi, o primeiro brasileiro a se tornar um raw-coach, uma espécie de técnico que orienta as pessoas sobre como se alimentar."Eu só ingiro comida crua", diz.
A segunda justificativa normalmente empregada para o vegetarianismo se baseia em argumentos éticos e ambientais. "Escravizar e matar animais é uma variante do racismo. É submeter o mais fraco somente porque pertence a outra espécie", diz o filósofo Peter Singer, da Universidade Princeton, expoente da defesa dos direitos dos animais (leia entrevista à página 93). "Não podemos reclamar que o mundo é horrível se o horror começa em nosso prato", diz a presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira, Marly Winckler.
O gado criado no Brasil freqüentemente é manejado com brutalidade.
O abate, em tese, deveria ser feito com um golpe de martelo hidráulico na cabeça, seguido de um corte na garganta, para que o sangue jorrasse para fora do corpo.
Mas, como a fiscalização é precária, em muitos abatedouros clandestinos as reses são mesmo abatidas a pauladas.
As galinhas de granja não têm destino melhor.
São criadas em ambiente permanentemente iluminado para que não parem de comer e sigam botando ovos - até seis por dia, em lugar do único ovo que produziriam em condições naturais. Os pintinhos machos, que não servem para botar, são jogados vivos numa espécie de moedor gigante. A indignação contra esse tipo de tratamento, denunciada em filmes, como o documentário A Carne É Fraca, chega até mesmo aos não-vegetarianos. "Na Europa, uma tendência forte é a dos consumidores que exigem que sua carne provenha de criação orgânica e tenha sido abatida sem crueldade", diz Reinier Evens, do site Trendwatching.com.
Mas as conseqüências ambientais do consumo de carne vão muito além da matança de animais de corte. A criação de gado, somente na Amazônia, nos anos 90, foi responsável pela devastação de uma área duas vezes maior que Portugal.
Pode parecer piada, mas os gases emitidos pela digestão das vacas respondem por 70% das emissões brasileiras de gás metano - substância causadora do efeito estufa. Por causa desse efeito, na Austrália cobra-se imposto ambiental sobre cada cabeça de gado. O demógrafo Joel Cohen afirma que, se toda a população da Terra quisesse adotar um padrão de consumo igual ao dos americanos, com a ingestão de 120 quilos de carne por ano, precisaríamos de outros quatro planetas.
O escritor Michael Pollan analisou a complexidade de manter uma alimentação ética em seu livro O Dilema do Onívoro, publicado no início do ano. Nele, Pollan seguiu do começo ao fim todas as cadeias alimentares possíveis, para avaliar os efeitos ambientais gerados por cada tipo de dieta - da agroindústria americana à caça e coleta dos indígenas. Pollan afirma que comer de tudo - animais e vegetais - foi um dos fatores que levaram a humanidade a evoluir. "Mas quem come de tudo corre o risco de morrer envenenado", diz ele. Por isso, para escolher entre os tipos de alimento, afirma Pollan, os hominídeos desenvolveram o poder de observação e a memória.
O homem desenvolveu sua cultura alimentar a partir dos estratagemas para superar as defesas dos animais ou vegetais que comia. Isso incluiu caçar e cozinhar com fogo. Mas Pollan afirma que esse mesmo comportamento levou a espécie humana a desenvolver também um senso de ética. Afinal, um ser que pode comer qualquer coisa (inclusive outros humanos) precisa de regras, rituais. Não somos apenas aquilo que comemos, mas também a forma como comemos.
É esse senso de ética que nos leva a avaliar as conseqüências de nossas dietas. De acordo com Pollan, não apenas a ä produção de carne, mas também a agricultura é hoje profundamente prejudicial ao ambiente. Para plantar é preciso derrubar florestas e matar animais, destruindo seus hábitats ou triturando-os inadvertidamente sob colheitadeiras e tratores. Por isso, comer apenas vegetais também tem conseqüências ambientais.
Surpreendendo os ambientalistas, Pollan afirma que uma forma de produção que geraria menos dano ambiental e menos matança de animais, preservando a biodiversidade, seriam as fazendas orgânicas nas quais se incluísse, paradoxalmente, a criação de gado com rotação de pasto. Isso reduziria os efeitos destrutivos da agricultura ou da pecuária extensiva sobre os animais silvestres. E alguns produtos animais, como estrume ou tripas de galinha, poderiam ser usados para reduzir o impacto ambiental das plantações.
Segundo Steven Davis, biólogo da Universidade do Oregon, uma fórmula do gênero seria melhor para o ambiente que a exclusivamente vegetariana. E causaria a morte de 300 milhões de animais a menos por ano, levando em conta tanto animais de corte quanto os silvestres. Pollan conclui que, para o ambiente, a melhor opção seria o homem viver em um regime de caça-coleta, como os índios ianomâmis. Os índios só intervêm na natureza para tirar o alimento necessário a sua sobrevivência.
Mas mesmo assim persiste a pergunta: o homem tem o direito de matar animais? Eis uma questão que ganha crescente força no mundo contemporâneo. Diz a atriz Mary Tyler Moore, vegetariana militante: "Pode demorar um pouco, mas uma hora vamos olhar para trás e nos perguntar como era possível que, em pleno século XXI, ainda estivéssemos nos alimentando de animais".
Fonte: www.vegetarianismo.org
http://despertardegaia.blogspot.com/
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