Concurso público: a minha experiência e a experiência do marido
Vida Saudável

Concurso público: a minha experiência e a experiência do marido


Pediram pra eu falar sobre concurso, então vamos lá. Com uma observação: existem milhares de cargos (literalmente) no serviço público brasileiro. Eu só posso falar sobre os nossos, no executivo federal.

Pra mim, a experiência concurso/cargo pública foi ótima. Sempre fui caxias e gostei de estudar, então a parte preparatória se deu tranquilamente, inclusive porque eu morava com meus pais, eles pagavam minhas contas, e eu não precisava trabalhar.

Como eu me formei em direito, tentei concursos na área jurídica (ao mesmo tempo em que fazia comunicação social). Sim, rolava uma pressão parental.  Mas eu só começava a me preparar pra ser juíza/promotora quando saía o edital, em torno de 2 meses antes da prova. Então, eu estudava empolgadamente, mas é claro que não dava tempo de ver a matéria toda e eu não passava.

No último ano do curso de comunicação, meu pai sugeriu que eu fizesse um concurso de nível superior não-jurídico. Eu estava doida pra arrumar um emprego, casar e sair de casa, então encarei. De novo, o edital tinha acabado de sair, mas a soma dos estudos anteriores com um conteúdo menor deu certo e eu passei.

Aí apareceu o primeiro perrengue: não tinha vaga em Belo Horizonte (onde eu e o noivo morávamos), só no interior. No edital estava bem claro que as vagas estavam espalhadas pelo estado, mas eu tinha preferido ignorar esse fato. Então, primeiro requisito de quem faz concurso público: esteja disposto a se mudar. Caso contrário, você vai ficar restrito a pouquíssimas vagas - ou vai sofrer horrivelmente quando tiver que sair da sua cidade. Eu sei porque tive colegas que sofreram horrivelmente por trabalharem a 3 horas de Belo Horizonte. Gente que passou 3 anos reclamando e voltando pra BH todo fim de semana (a boa notícia é que, no fim desse prazo, todo mundo conseguiu transferência).

Eu nunca tinha pensado em deixar minha cidade natal e confesso que fiquei chateada quando fiquei sabendo que ia precisar. No fim das contas, foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Tendo arrumado emprego, eu me casei, e a gente começou a vida a dois longe das famílias, que são ótimas e bem-intencionadas, mas acabam interferindo, né? Havia uma certa latitude na hora de escolher a lotação, e eu escolhi a cidade que tinha empresas grandes, de maneira que o Leo, que é da área de informática, arrumou emprego num instante. 

Fui trabalhar em um lugar ótimo, cheio de gente competente, legal e caxias. Fala-se muito em funcionário público que trabalha pouco, mas eu não vi nenhum nos primeiros anos da minha carreira. Me adaptei rápido à cidade, que tinha poucas opções de lazer, mas era segura e barata. A gente tinha conforto, bons salários e um ao outro - o que mais a gente podia querer?

Uns anos depois, vendo a minha satisfação profissional, o Leo decidiu fazer concurso público também. Deixou o emprego, voltou pra faculdade (ele tinha largado o curso de economia no meio), se formou em Sistemas de Informação em tempo recorde (ele fazia aula no turno da manhã e da noite) e começou a se preparar. Fez concurso na área dele, para trabalhar em Brasília (porque a gente sabia que seria fácil eu conseguir transferência pra lá). Pouco mais de um ano após a formatura, ele estava tomando posse.

O Leo começou a trabalhar muito contente, mas deu um azar danado. Caiu em um ministério cheio de cargos de comissão (aquele para os quais não há concurso - a pessoa é nomeada pelos chefões) que não tinham o menor compromisso. As coisas não andavam, os problemas não eram resolvidos, e ele se frustrou muito tentando mudar as coisas. Ele conseguiu trocar de setor, mas a situação não melhorou.

Enquanto isso, eu passava por altos e baixos. Em Brasília, participei de projetos grandes e transformadores, e projetos que não saíam do lugar. Trabalhei com gente competentíssima e dedicada - e com gente que não queria nada com a dureza. Por causa desses últimos, briguei, me desgastei, passei raiva - e saí de lá sem ter certeza de ter conseguido muita coisa.

Na época em que decidimos vender tudo e sair viajando, no entanto, a gente ainda estava em lua de mel com nossos empregos. Não tínhamos esses cargos com os quais o pessoal sonha nos fóruns de discussão (auditor da Receita Federal, delegado da Polícia Federal, gestor do Ministério do Planejamento), mas sempre achamos que ganhávamos bem (tem de comparar com a média da população brasileira, não com o Eike Batista, né, gente?). Outras vantagens: carga semanal de 40 horas, sem hora extra, férias que dá pra marcar com antecedência (no setor privado, tem chefe que acha que você tirar férias é uma ofensa pessoal), e a possibilidade de licença sem remuneração por um período prolongado, que é o luxo dos luxos (no meu caso. No ministério do Leo, eles não dão de jeito nenhum. Então ele pediu pra sair.)

Cada experiência é pessoal e única: se alguém me perguntar se deve fazer concurso público, eu vou responder um entusiástico "sim". O Leo vai responder um ponderado "talvez". Eu percebo que muita gente foca no concurso (assim como muita gente foca na festa de casamento) e esquece que, depois dele, tem uma carreira pela frente (sim, você vai viver com a pessoa com a qual se casou).

Eu acho que a vida é muito curta pra gente gastar a maior parte do dia em um trabalho que odiamos. Por outro lado, um emprego no qual você usa suas habilidade e competências, num ambiente em que te respeitam, e que ainda paga bem, é uma grande conquista, e não um fardo.

Uma das razões do sabático é descobrir se eu tenho uma grande paixão profissional, que me faria passar muitas horas do dia numa grande satisfação. A remuneração não é tão importante - dando pra viver e guardar um tanto pra aposentadoria, tá valendo. Já pensei diferente, mas o minimalismo me ajudou a reordenar as minhas prioridades.

Infelizmente, até agora não fui tomada por nenhum relâmpago de inspiração.



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